A Verdadeira História da Família Fonseca Galhão

Blogue cacofónico mas não escatológico sobre a mítica história de uma família portuguesa, com certeza.

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Embora estivesse a ser raptado, César estava mais estupefacto que amedrontado. Os angolanos do wrestling foram abandonados na primeira estação de serviço depois de Sara se ter irritado com eles em alemão e lhes ter espetado dois fortes pontapés nas partes baixas (a cada um).
- Não me interessam os detalhes da vossa ignorância! Isto não é um diálogo! - desabafou em português.
- Mas o que é que se passou? - perguntou César, com uma insólita vontade de se mostrar conciliador.
- Não te interessa. Levanta a mão onde tens o anel.
Só nesse momento é que César reparou que ainda tinha a mão direita recolhida no interior da manga do casaco. O anel fazia-o sentir-se ligeiramente abichanado e com a ameaça anatómica dos seus anteriores companheiros de banco de trás todo o cuidado era pouco...
- Perfeito! Perfeito! Este é o anel da família Galhão. De três em três gerações nasce um rapaz a quem o anel assenta na perfeição e que terá a capacidade de abrir as portas de Ungielstadt. Só uma mão genuinamente Galhão e com o anel perfeitamente encaixado na falange proximal do terceiro dedo da mão direita é que consegue entrar pela abertura da porta e fazer rodar o trinco. Dizem que quem abrir essas portas dominará o mundo!
"Pronto. Tens o que mereces, César. Quem te mandou andar atrás de irmãs virtuais e acreditar em tretas de drag queens assassinados, forwards de filhos, etc.? Agora estás metido com esta doida, a 200 à hora na auto-estrada e a caminho de uma terra com um nome impronunciável! O que é que te falta acontecer?"
- Ó Sara, mas tens a certeza do que estás a dizer? O meu nome é César Monteiro... aliás, eu há uma semana nem sequer conhecia a Mónica e muito menos tinha ouvido falar nas maluquices dela...!
Em vez de responder à pergunta, Sara tirou o cinto de segurança, fixou César com os olhos e saltou para o banco de trás, sentando-se no lugar imediatamente à sua frente.
Embora estivesse claramente preocupado com a situação, César não pôde deixar de reparar que Sara tinha umas belas pernas, facto que aliás era bem evidenciado pelo escasso comprimento da mini-saia Chanel que as cobria em pequena percentagem. Sem dizer uma palavra e actuando com um total domínio da situação, Sara carregou num botão que simultaneamente fez correr uma cortina preta (separando a zona dos passageiros do motorista) e fez aparecer, vindo de uma porta aparentemente pequena demais para o efeito, uma garrafa de Moet et Chandon num balde de gelo simetricamente ladeado por dois flutes de cristal. Quando o cérebro de César se começava a questionar sobre o que é que aquela imagem lhe estava a lembrar (obviamente, era o anúncio do Ferrero Rocher), Sara sacou de um punhal e, com um movimento rápido e decidido, cortou de uma só vez todos os botões da camisa do atónito último dos Galhões, que passou a exibir uma penugem peitoral de fazer inveja ao Tony Ramos, bem rematada por uma barriguinha de cerveja digna de um português que não deixa os seus créditos por mãos alheias.
No entanto, uma visão que certamente demoveria uma percentagem significativa das mulheres portuguesas solteiras e disponíveis, não teve aparentemente qualquer efeito dissuasor em Sara. Com uma harmonia de movimentos incrível, e movendo o punhal como nem o alter ego de Don Diego de La Vega seria capaz, Sara fez mais dois gestos e, como que por magia, um visivelmente bem disposto César e a fogosa quarentona ficaram frente a frente, tão vestidos como no dia em que Deus os deixou vir ao mundo...

sexta-feira, novembro 17, 2006

Rebeca acordara agitada, hoje era a sua primeira gay parade. Estava feliz como nunca. Tinha finalmente chegado à fala com a sua filha Mónica, ficando a aguardar que ela falasse com o seu, dele, filho César.
“Que belo nome, César, meu filho se chama César”, Rebeca falou em voz alta, já praticando o brasileiro para o desfile. Ia ser a melhor Drag Queen dos anais da história!
“Que feliz trocadilho”, Rebeca pensou.

Cesário Monteiro, actual Coronel Monteiro, acordara agitado. Já havia muita gente a saber a verdade sobre o seu filho César.
“Puta que pariu o Rebeca, ou a Rebeco, já não sei!”, pensou o Coronel Monteiro. Já não chegava o dinheiro que lhe tinham levado pela compra do puto, ainda se arriscava agora que este último soubesse a verdade sobre o seu, dele, passado.
“NÃO! Há que evitar a verdade, custe o que custar”, vociferou para o espelho cofiando o seu bigode.

A gay parade estava a ser um sucesso. Rebeca dançava que nem uma doidinha em cima de um carro alegórico. Era o carro mais bonito do desfile. Tinha uma forma original: era um grande pénis feito de flores de papel cor de carne e vermelhas ejaculando flores brancas para a multidão extasiada. Rebeca estava feliz e dançava sem parar numa plataforma à frente do pénis.
Na multidão, um senhor sorria enquanto cofiava os seus bigodes brancos. Com um sorriso nos lábios meteu a mão no bolso, sentindo o detonador (não é nenhuma alusão ao célebre jogo bilhar de bolso). Carregou no botão. Rebeca dançava na plataforma em cima dos seus saltos altos, quando um reservatório cuidadosamente colocado por baixo da plataforma começou lentamente a verter azeite.
Foi tudo muito rápido, Rebeca começou a dançar muito mais depressa e com uns passos de dança estranhos (pelo menos assim pensou toda a multidão excepto uma pessoa) e acabou por se estatelar no chão à frente do carro alegórico.
Ironicamente, o pénis de flores feito continuou a ejacular alvas flores sobre o corpo da malograda Drag Queen.

segunda-feira, outubro 16, 2006

O jovem investigador aproximou-se do púlpito, ajustou o microfone, sorriu para uma rapariga estrangeira na plateia e começou a falar, depois de demoradamente saudar todos os presentes, obedecendo a uma estranha hierarquia de importância.
"A estricnina, um dos mais antigos venenos conhecidos, é um alcalóide que se encontra em diversas plantas estrícneas, principalmente na noz vómica e na fava de Santo Inácio."
César entrou, procurou lugar num dos últimos bancos da sala e sentou-se.
"Apesar de se suspeitar (não ficaria melhor pensar?) que a noz vómica foi introduzida na Europa pelos Árabes, só se tem a certeza de ser conhecida na Alemanha no século XVI (descrição de Valerius Cordus em 1540), sendo principalmente usada como veneno para ratos e outros animais, mas também como medicamento.
As fortes propriedades tóxicas desta planta foram reconhecidas por Bauhin pouco tempo depois e em 1676 Wepfer provocou o tétano estrícnico com a noz vómica.
Nos séculos XVII e XVIII foi pouco empregue. Só quando a estricnina foi isolada a partir da fava de Santo Inácio por Pelletier e Caventou em 1818, a brucina no córtex de Strychnos nux-vomica (1819) e na noz vómica (1824) é que se começaram a conhecer e a estudar melhor estes alcalóides. No entanto, apesar de ter sido isolada a partir da fava de Santo Inácio, a fonte comercial da estricnina é a noz vómica.
Hoje em dia ainda é utilizada como pesticida, sendo uma fonte de envenenamento acidental para crianças e animais domésticos."
Enquanto lutava para não adormecer, César observava o estranho grupo de pessoas que preenchia a sala: um jovem com cara de turista que chegou ligeiramente atrasado, um indivíduo com ar monárquico sentado na mesa do júri, um barbudo com aspecto de emigrante em Inglaterra, uma jovem de cabelo encaracolado, um médico legista (o que é que ele estará aqui a fazer?)...
Foi então que Mónica entrou.
"FAVA DE SANTO INÁCIO
A fava de Santo Inácio é obtida a partir de Strychnos ignatii Berg. (Fam. Logániaceas). Esta planta é originária das Filipinas e contém dentro do seu fruto 10 a 20 favas de forma irregular.
Só foi conhecida na Europa em 1669, por intermédio de um padre jesuíta, Camelli de seu nome, que lhe deu o nome de fava de Santo Inácio (Faba sancti Ignatii) em honra do fundador da Ordem."
O palestrante hesitou, olhou durante escassos décimos de segundo para o inevitável decote de Mónica, sorriu enigmaticamente (em que é que estaria a pensar?) e continuou calmamente o discurso depois de piscar o olho à jovem estrangeira...
"O envenenamento por estricnina é mais comum em veterinários e nas pessoas associadas a actividades agrícolas, continuando a ser encontrada como causa de envenenamento acidental e intencional de cães e, menos frequentemente, de outras espécies animais..."
César já não ouvia nada. Porque é que Mónica havia insistido tanto em encontrar-se com ele num lugar público e discreto?
- Olá mano.
- Não me chames assim.
(Não se pode dizer que o decote de Mónica fosse uma escolha sensata para quem pretendia um encontro discreto)
- Mas afinal o que é que tu queres? Porque é que me mandaste vir aqui?
- Calma César. Relaxa e ouve a conferência, pois estamos à espera de uma pessoa.
- Quem?
- Ainda não te posso dizer.
"A estricnina liga-se fracamente às proteínas plasmáticas e, uma vez no sangue, distribui-se rapidamente por todo o organismo, tendo especial afinidade pelo sistema nervoso. Esta distribuição do tóxico é tão rápida, que após a administração intravenosa em animais de experimentação, o equilíbrio entre o sangue e o compartimento superficial é atingido em menos de 5 minutos.
É metabolizada no fígado por degradação enzimática no sistema microssomial hepático, seguindo o seu metabolismo uma cinética de primeira ordem."
A porta da sala abriu-se novamente e ela entrou. Embora se notasse que a barreira dos 40 já tinha sido ultrapassada há mais anos do que ela desejaria que se notasse, a sua pose altiva e as roupas elegantes tornavam-na estranhamente atraente.
Quando a viu, Mónica esboçou um sorriso (que saiu amarelo), engoliu em seco e acenou discretamente. Após uma rápida troca de olhares, a estranha apontou o queixo para César e, enquanto se sentava no meio dos dois neo-irmãos, dirigiu-se a Mónica:
- É este?
- Sim.
- Pensei que fosse mais alto. Tens a certeza?
- Sim.
- Também não parece muito esperto... mas a responsabilidade é tua!
- Mas afinal o que é que se passa aqui?! - a voz de César elevou-se ligeiramente e algumas dezenas de pescoços segurando faces incomodadas rodaram na direcção do estranho grupo.
- Shhhhhhh!
- Esteja quieto, não se mexa e sobretudo não atraia as atenções. - a voz autoritária com que a desconhecida se dirigiu a César não deixava margem para veleidades - Coloque este anel e saia imediatamente atrás de mim. O meu nome é Sara e não quero mais perguntas.
Meses mais tarde César haveria de perguntar a si próprio porque raio é que naquele momento decidiu obedecer e seguir Sara. Tinha sido claramente uma das decisões mais infelizes da sua vida...
Foi com uma estranha coordenação, como peças de dominó a funcionar ao contrário (levantando-se para endireitar a peça seguinte) que Sara, César e Mónica (por esta ordem) se levantaram, abandonaram resolutamente a sala e seguiram em passo acelerado e sem pronunciar qualquer palavra para o exterior do edifício.
No exterior aguardava-os uma limousine de vidros fumados, cuja porta entreaberta era segurada por um Ambrózio de bigodes e cabelos brancos com todos os dentes de ouro.
- Lassen sie uns gehen! Jetzt! - vociferou Sara, dois segundos antes de arrancarem a alta velocidade pelas estreitas ruas da cidade e de César perceber com preocupação que no banco de trás da viatura também estavam dois indivíduos que poderiam perfeitamente pertencer aos quadros da selecção angolana de wrestling.

quarta-feira, setembro 20, 2006

Justina era uma mulher da vida. Ainda hoje lhe doía a tromba do chapadão que tinha levado do Meireles por não lhe dar o dinheiro da noite. Mas ele não percebia que a noite tinha sido pobre pobre em clientes. Ainda se lembra do palito de Meireles quase a vazar-lhe uma vista.
- Dá-me já o dinheiro todo minha cabra!
- Mas Meireles, não percebes que a noite foi pobre pobre em ouro?
- Não me venhas com cantigas! Passa-me para cá o guito!
Como Justina não lhe desse o guito, Meireles prega-lhe um valente chapadão na tromba, chapadão este que a deixou atordoada. Meireles saiu de casa chateado, claro que ficou chateado! Não gostava de bater nas suas putas. Ainda se fosse nas dos outros…
Mas Justina tinha de aprender a lição! Cliente fodido é dinheiro devido!
Justina esfregou a cara com rancor. Era a última vez que Meireles lhe batia. Ainda por cima grávida! Ainda por cima em abstinência! Tinha de arranjar uma dose, e depois disso, Meireles ia ver.
“Encontrado cadáver de cidadão (também conhecido por Meireles) na rua! A vítima vestia sapatos pretos de fivela, meia branca e tinha um palito a pender dos lábios roxos quase a roçar uma poça de vómito, que se pensa ter sido responsável pela asfixia.”. Este foi o título do jornal do dia seguinte. Justina leu e meditou. Alguém tinha morto Meireles (nem que fosse o senhor).
“Quem, eu?”, perguntou o senhor Silva, o dono da pensão.
Não, Ele (apontando com o dedo para cima).
Vou ter de arranjar outro pai para o puto, Justina pensou.

sábado, setembro 09, 2006

- Pois é, pois é, pois é...
- Qual é o contrário de vaca?
- Não sei... boi?
- Claro que não! O contrário de vaca é porco!
- Não sei... é que o contrário de porco é limpo e limpo não é o mesmo que vaca!
- Mas tu certamente que já viste vacas porcas... é que nos verdes prados de algumas aldeias nem sempre a higiene é a melhor... especialmente quando há ETARs a distâncias percorríveis de camião!
- Pois é... se calhar tens razão!
- Bruxo...!
- Olha, mudando de assunto... e a cena do César? O que é que se passa com ele? O gajo anda completamente desatinado... vê lá tu que ontem ele afirmou a pés juntos que todos os marinheiros usavam barbas e cabelo branco devido ao intenso reflexo da espuma marítima nos seus faneros fácio-craniais!!!
- Fácio-craniais?! O moço está mesmo apanhado dos carretos!
- Mas afinal o que é que se passa com ele? Conta-me a história como se fosses o Miguel Esteves Cardoso.
- Ok. Vou tentar:
O amor é fodido. A sério. Aliás, o amor é sério e é fodido. Mesmo quando se fode a sério. Ou, pior, quando se é fodido seriamente.
Mas pior que ser filho de dois paneleiros é não ser filho de dois paneleiros, nem sequer dos outros dois que lhes forwardaram a criança. É como se o Pauleta isolado em frente a uma baliza vazia decidisse atrasar a bola para o Nuno Gomes, que por sua vez também se consegue isolar em frente à mesma baliza vazia depois de fintar o guarda-redes e 6 defesas e em vez de rematar à baliza decide passar a bola para o Ricardo Costa que, envergonhado por estar na selecção e ninguém o conhecer, chuta a bola para a bancada.
A mãe biológica do César tinha 23 anos e andava agarrada ao cavalo desde os 13. Aliás, andava tão agarradinha que o seu traseiro até parecia uma sela. O pai biológico do César usava meinha branca com calcinha cinzenta de flanela vincada, palito na boca, esferográfica Bic atrás da orelha, hálito a cápsulas Rogoff, maço de Português Suave em riste e uma unha do dedo mindinho que faria inveja a qualquer benfiquista. É por isso que o amor é fodido. Quem haveria de dizer que uma jovem amazona haveria de se tornar toxicodependente por não conseguir suportar o hálito do seu amante?

sexta-feira, setembro 01, 2006

“Cristina, não vais levar a mal, mas beleza é fundamental!”
A telefonia daquele hospital não se calava. Afonso e Rebeca tinham acabado de adoptar duas crianças filhas de um toxicodependente. Sim, adoptar! Infelizmente este casal não podia ter filhos naturalmente, Rebeca fora outrora um homem.
“Cristina, não vais levar a mal, mas beleza é fundamental!”
Rásparta a telefonia, não há maneira de a desligar? Rebeca chorava que nem uma Madalena. Tinham adoptado duas crianças lindíssimas, mas não tinham dinheiro para as sustentar. Tinham de optar por uma delas. A outra seria deixada à sua sorte.
“Cristina, não vais levar a mal, mas beleza é fundamental!”
Na mesma clínica um casal de paneleiros chorava abraçado. Não podiam ter filhos naturalmente (que novidade, só se fossem cagalhões!).
- Não chora não Cesário, dizia Maurício. A gente há-de conseguir ter filho.
- Não percebes Maurício, futura Marisa, eu não posso engravidar!
- Não tem problema não, a gente adopta um aí! Olha lá aquele casal! A moça está chorando! Vamos até lá perguntar o que se passa.
“Cristina, não vais levar a mal, mas beleza é fundamental!”
- Que tem você meu bem? Inquiriu Maurício. Porque você está chorando?
- Acabamos de adoptar duas crianças, mas só agora nos lembrámos que não temos dinheiro para sustentar as duas!
Os olhos de Maurício e Cesário brilharam com cumplicidade (os deste último devido às lágrimas). Problema que eles não tinham era dinheiro.
- Chora não meu bem, a gente pode resolver seu problema. Quanto é que você quer pelo garoto?
“Cristina, não vais levar a mal, mas beleza é fundamental!” A música não parava de tocar na telefonia. Devia ser um disco riscado.
Rebeca limpou as lágrimas, teriam de se contentar com a garota (as duas crianças eram de sexos diferentes…). Assim poderiam dar uma boa vida a Mónica. César passaria então a ser filho de Maurício, futura Marisa, e Cesário, futuro Cesário.

quarta-feira, agosto 23, 2006

Todos os dias Mónica seguia o mesmo ritual. O despertador com Pedro Tojal a acordar Portugal. As vizinhas de cima num enorme cagaçal. A mãe do Ivo a berrar com o anormal. Snooze. Pedro Tojal ainda a acordar Portugal. José Sócrates inaugura prateleira de supermercado no Bombarral. O trânsito hoje até nem vai nada mal. Snooze. Pedro Tojal a acordar Portugal. Levanta-te, Mónica ou o teu chefe vai levar a mal. Toma banho senão ficas a cheirar mal. Toma o pequeno almoço: fruta e um iogurte natural. Sim, eu sei que esses sabem mal... (mas não há bons sabores com a rima necessária). Outra vez chuva e um grande vendaval. Se calhar é melhor levar também um Constipal. Dá sono, mas alivia a fossa nasal. O carro tem 100 cavalos e sente-se a força de cada animal. Em 25 minutos chega-se de Coimbra a Pombal.
O encontro com César até foi giro, afinal. Ter um irmão mais novo... eu com trinta anos e ele com vinte e tal... E quem diria que o nosso verdadeiro pai haveria de ter uma morte tão brutal!
A surpresa para Mónica chegara na semana do Natal. Niquinha, olha: tens uma mensagem na tua caixa postal. Ai sim, será Viagra, diplomas universitários ou o Zé Cabral? Não, é de uma tipa chamada Rebeca Fonseca, bestial! Até que enfim que recebo mails de gente normal.
Olá Mónica, não me leves a mal. Não me conheces nem me vou apresentar por via postal. Os relacionamentos comigo têm uma indispensável vertente pessoal. Preciso de te contar algo de fundamental. Se quiseres vou ter a Pombal.
Olá Rebeca, que estranha forma de contacto virtual. Despertaste-me a curiosidade de uma forma visceral. Quero encontrar-me contigo depressa, pois deixaste-me com uma ansiedade monumental. Pode ser amanhã às duas e tal?
No Café Central?
Sim. É o meu local de almoço habitual.
Naquele dia Pedro Tojal só por uma vez acordou Portugal. A mãe do Ivo num silêncio sepulcral. O iogurte foi substituído por uma garrafa de Ucal. Chegou ao trabalho num instante, pois o nervosismo era total. A manhã durou menos que uma missa rezada pelo Cardeal.
Meio-dia, uma, duas, duas e tal. Para o almoço só um prato com pão de cereal. Onde está a Rebeca, afinal?
Na mesa do meio, ovo estrelado com pimenta mas sem sal.
Não pode ser... estarei a bater mal?
Olá Mónica, sou eu a tal.
Rebeca... da conversa virtual?
Sim... Rebeca, la femme fatal. Senta-te... não vamos conversar na vertical.
Olhe que se é para me enganar eu movo-lhe um processo judicial.
Não te preocupes... estás a falar com um antigo general.
Mas... isso é genial! - Nesse momento Mónica sorriu, pois percebeu o que é que Rebeca outrora tinha tido na sua zona genital.
Queres saber porque é que estás aqui e não a trabalhar no hospital?
Sim, já agora não fazia mal... embora para me fazer baldar ao trabalho não seja propriamente necessária uma catástrofe nacional...
Mónica, a tua memória mais antiga é qual?
Não sei... talvez o regresso do Álvaro Cunhal...
Lembras-te de passear em Guimarães pela praça do Toural?
Sim, mas lembro-me mal...
E nesse dia, recordas-te de ter aprendido a tua primeira vogal?
Sim, sim... e de ter ficado toda suja com cal!
Mas quem és tu para saberes de tal?
O meu primeiro nome foi Roberto, um nome banal.
Roberto Rebeca?! Nunca ouvi nada que soasse tão mal!
Não... Rebeca é o meu segundo nome, mas não numa escala ordinal. Rebeca é o meu novo nome e até tem reconhecimento notarial!
Não pode ser... em Portugal não é legal a alteração nominal!
Mónica, fala mais baixo... assim até nos ouvem na Ilha do Ermal!
Ok, mas para isso a minha voz tinha que ter outro potencial...
Mónica.
Sim?
Sou teu pai.

quinta-feira, agosto 17, 2006

- Maurício larga já as bonecas da tua irmã! (Raça do cachopo, que em vez de brincar com carros como qualquer macho que se preze só vê bonecas, ainda se fosse para as despir! Já tem quase vinte anos o raio do petiz).
-Mas Papai, eu gosto de brincar com as bonecas da Teresa. Gosto de lhes vestir umas roupinhas bonitas, pentear seus lindos cabelos e lavar suas carinhas larocas!
- Chiça! Além de gay fala brasileiro. Eu já te digo o que faço com as bonecas da Teresa. Alto lá, quem é a Teresa?
- Papai, eu não sou gay não. Eu quero é mudar de sexo, quero ser gaja, como o senhor Frodo e poder usar anéis em meus belos dedos de fada. A Teresa é o filho do vizinho, que como agora é macho acha que brincar com bonecas é coisa de larilas ou menina. Papai, eu quero mudar de sexo, quero ser como o filha do Néné.
- Nem pensar nisso. Se alguma vez te vieres a chamar Marisa, corto-te a gaita até ficar cheia de foles!
Mal o pai sabia que era mesmo isso que o seu filha queria! Ainda por cima tinha acabado de lhe facilitar a vida, ao escolher um nome feminino. E que bonito nome!
Maurício não cabia em si de contente, e engendrou logo um plano para levar a sua por diante. Telefonou ao seu amigo Teresa (este não quis mudar de nome) e a conversa foi a que a seguir se descreve.
- Oi Teresa tudo bem com você? (Raios, que o gajo não larga o brasileiro!)
- Diz lá o que queres ó paneleiro! Não me vens pedir o dinheiro das bonecas pois não? Já o gastei todo a fumar ganzas (macho que é macho fuma ganzas como quem come bacalhau com grão).
- Não é nada disso cara! O que se pass
- Cara é o caralho! Já sou macho, sou caro!
- Não Teresa, cara é uma expressão brasileira, que é a língua que eu falo agora, enquanto me encontro entre a carne e o peixe! Que bobagem! Quero que você telefone para meu pai e pergunte por Marisa, só isso. Assim ele cortará minha gaita até ficar cheia de foles e facilitará minha operação de mudança de sexo! Eu te pago com favores sexuais, Teresa. Eu chuparei teu gelado de framboesa como se fosse o melhor sorvete do mundo!
- Tudo bem meu!
E assim fez. Os uivos de dor do Maurício foram ouvidos por todos os seus vizinhos, mas no fim a sua cara raiava de alegria. Tinha conseguido que o pai lhe cortasse a gaita até ficar cheia de foles. Meses mais tarde tratou da papelada e deixou de ser Maurício, o larilas que falava brasileiro. Tinha nascido a Marisa, jovem portuguesa de belos seios.

terça-feira, agosto 01, 2006

- Está a saber-me mal este whisky de malte...
- Esta noite estás mesmo frágil!
- Tenho que dar a mão à Palma...tória, Jorge. Não consigo viver com este peso em cima de mim!
César levantou-se, olhou em redor e suspirou...
- Puta de vida e merda de vida... todo o santo dia a trabalhar!
- Já alguma vez te disseram que tens tendência para utilizar excertos de velhos sucessos da música portuguesa no discurso oral?
- Já. E o que é que essa merda adianta para a minha felicidade? Dá-me cá um abalo ao pífaro...!
- Hoje estás impossível de aturar. Vou mas é dar às de Vila Diogo, que a minha vida não é esta. Até amanhã! Vê lá se tens mas é juízo!
Mas o que César definitivamente não tinha era juízo. Ao ver Jorge abandonar o bar fazendo slalon entre os corpos bem desenhados e escaldantes das dançarinas moldavas, procurando ao máximo evitar o contacto com as barrigas proeminentes alojadas no interior das sebentas camisas quadriculadas dos elementos masculinos que compunham a tribo noturna do Ali Babar, César apenas se sentia mais isolado e sobretudo mais obcecado com a notícia que recebera naquela tarde.
- É melhor mudar para cerveja, Jociválter! Ô, Negão! Me arruma aí um chopinho, vai?
- Deixa de frescura, César! Não é por ter um cabelão que nem Tarcísio Meira que eu vou dar bola pra você!
- Ouve lá, ó Jociválter... já te disse que não sou paneleiro, caralho! Dá-me mas é a puta da cerveja, que eu pago essa merda, pá! Foda-se!
- Ui... o bicho já pegou aí para esses lados, não cara? Que foi que se passou hoje? Levou bronca do patrão?
- Nem tu calculas, Jocy, nem tu imaginas... - disse César, utilizando meticulosamente o indicador para remover o excesso de espuma do fino que o barman lhe estendia, limpando depois o dedo à velha T-shirt da Super Bock com a frase "Não deixes para a semana o que podes fazer hoje".
- Sou todo ouvidos, xará.
- Vê lá que esta tarde me ligou lá para o escritório uma gaja de que eu nunca tinha ouvido falar, a dizer que se chamava Mónica Galhão, que era minha meia irmã e que o nosso pai era aquele Drag Queen que tinha morrido ao caír de um carro alegórico na Gay Parade que houve ontem no Porto...
- Ui... mas seu pai não é o Coronel Monteiro? Ele esteve aqui hoje mesmo contratando Tatiana e Eva, como de costume...
- E eu não sei, Jociválter?! Eu disse logo à tipa "minha senhora, deve tratar-se de um equívoco, pois está a falar com César Monteiro, filho de Cesário e Marisa Monteiro e eu não a conheço a si ou a esse senhor que faleceu ontem"!
- E aí?
- E aí ela disse-me que de facto isso era verdade, mas não era TODA a verdade. Contou-me uma história maluca de um tipo chamado Roberto Galhão, que mudou de sexo e de nome para Rebeca Galhão e esqueceu-se do filho bebé na sala de espera da clínica...
- Esqueceu o neném?! Não é possível!
- .... e na mesma sala de espera estavam os meus pais Cesário e Marisa, que naquela altura se chamavam Cesário e Maurício...
- O quê?!
- É isso mesmo, Jociválter: segundo a Mónica, a minha mãe chamou-se Maurício até aos 33 anos e o meu verdadeiro pai chamava-se Rebeca até ontem!
- Mas... e você?
- Ao que parece os dois casais combinaram a troca, pois o Afonso Fonseca, que era o namorado da Rebeca, quer dizer, do Rebeca, também queria mudar de sexo, para deste modo poder constituir um casal lésbico com o Roberto, que entretanto já era Rebeca. Assim, o Cesário Monteiro pagou-lhe a operação em troca da minha custódia, pois eles só tinham dinheiro para sustentar a Mónica!
- E eu pensando que minha vida era complicada... você me dá goleada em complicação familiar, meu irmão!
- E, pior que tudo, a gaja enviou-me faxes com todas as provas: relatórios médicos, testes de DNA e até o contrato assinado entre o Cesário, o Maurício, o Afonso e o Rebeca!!!